quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Coração leviano

Amanhã completa uma semana. Hoje, menos de sete dias. Dentro do peito, uma saudade implacável. Países diferentes, ausência de notícias.

Era, agora, comprometida. Estava com um alguém presente, mas o outro sempre fora mais presente. Onipresente, talvez. A acompanhava em todos os pensamentos, em todos os lugares. Estava com ela sempre. A distância de milhares de quilômetros porém, a fez sentir-se sozinha, mesmo rodeada de dezenas de pessoas todos os dias.

O novo homem era um homem bom. A satisfazia, a alegrava, a ouvia, a divertia, mas não era o homem com quem dividia tudo. Esse, continuava a ser o jogador.

Saudade. Não há como detê-la ou minimizá-la. Está sempre por aí nos rondando e nos lembrando de sua dolorosa existência.

Grita. E nos faz silenciar.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Palcos e bastidores

"Pessoas com trinta anos de casamento não conhecem um ao outro por completo". A frase foi dita por um colega de trabalho. E resumia bem uma situação recente. Quando duas pessoas se conhecem, ou a empatia se dá por imediato ou ela é conquistada ao longo do tempo. Nos casos em que ela acontece imediatamente, há sempre o risco iminente de decepcionar-se com aquele que você nunca conheceu a fundo.

Depois de "velho", o ser humano acha que a ingenuidade foi deixada lá atrás, pra antes dos 20 anos. Mas o mundo "adulto" - principalmente o ambiente de trabalho - te prova que o ser humano será sempre ingênuo. Aparências, reservas, risos, expressões e gestos que desmoronam nos bastidores. O enredo dessa gente que vive da história alheia é a ficção do ambiente de trabalho.

Nesse carnaval não existem só as cordialidades inerentes ao convívio social de um escritório. Aliás, a falta de cordialidade é uma constante. Existem também os que conseguem atuar - no sentido teatral da palavra - em relações mais próximas, como a amizade.

No backstage desse espetáculo, porém, estão atores que não gostam do próximo - e chegam a pleitear conquistas negativas para aqueles em que abraçou diante do grande público.

A raiva, meus caros, é sempre mais digna no palco. Escondê-la por detrás das cortinas e omiti-la de a quem esteja direcionada é acabar, aos poucos, com a encenação. Por mais indigesto que seja o meio, os bastidores acabam sempre descobertos. E aí não há bom roteiro que sustente.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Encurralada

O jogo foi encerrado. Ela lançou as cartas. Ele, como era esperado, escolheu seu lugar no alto do muro. Sabia que o jogador não abriria mão do conforto, da vida regrada. O ilegal havia ficado em outro plano.

O primeiro encontro após o afastamento foi duramente engraçado. A formalidade com que se falaram terminou ao som de gargalhadas. Trocou os caminhos. As risadas deveriam ser, agora, boas lembranças.

Se sentia aprisionada, agora, por outros motivos. A decisão pelo afastamento, talvez, não fosse a melhor decisão. A saudade a corroía. Enferrujava a cada lágrima que os olhos teimavam em pôr para fora.

Mas tinha que ser firme, não podia voltar atrás. A seriedade que sempre figurou iria por água abaixo se amolecesse suas decisões. Pensava na vida. A cada dia, um dia a menos sem ele.

Tinha vontade de chutar o balde. Foda-se, o queria por perto, da maneira que fosse. Queria vivê-lo. Não aguentava os primeiros dias de ausência forçada, que ela mesmo tinha imposto.

Não conseguir esquecer. Sabia que, a qualquer momento, iria ceder.

Mas Quem Disse Que eu Te Esqueço
Beth Carvalho, com ligeiras adaptações.

Tristeza rolou dos meus olhos
De um jeito que eu não queria
Afivelei meu peito
Pra eu deixar de te amar

Acinzetei minh'alma
Mas não ceguei o olhar

Saudade amor, que saudade
Que me vira pelo avesso
E revira meu avesso
Pus a faca em meu peito
Mas quem disse que eu te esqueço
Mas quem disse que eu mereço

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Jogatina

Eram adeptos do jogo. De todos, o mais perigoso: o das palavras. Usavam codinomes para se tratarem com mais intimidade. Eram íntimos. Conheciam quase plenamente um ao outro - ainda não tinham desbravado os limites da pele, porém.

Como todo jogo propenso ao vício, estavam viciados. A relação era de interdependência. Da mesma maneira como que com substâncias químicas, livrar-se era difícil. Ela pensou em mudar de telefone, sumir. Não adiantava. Ele não permitia o esquecimento: a procurava para mais uma partida verbal.

Com os codinomes, planejavam crimes, como alguns viciados. Se, antes, o nível do jogo era descompromissado, agora alternavam palavras do mundo real para sinalizar que não era só um jogo.

Estiveram solteiros em tempos diferentes. Agora, era ele o ilegal na jogatina. Ela, solteira há meses, não se colocava na mesa para novos jogadores. Estava presa no tabuleiro.

Tinha medo de colocar as cartas na mesa.

sábado, 19 de junho de 2010

I say a little prayer for you

Ela não conseguia mais encará-lo. Sentia que, a cada olhar e gesto, se denunciaria. Não seria prudente revelar-se apaixonada. Aquele que sempre estava ao seu lado, um grande companheiro, com quem dividia quase tudo, era, há mais de um ano, um homem comprometido.

Faltava-lhe o ar. Cada vez mais escasso, o peito apertado. A cada conversa, a vontade de extravasar. O aprisionamento já comprometia a relação. Passou a fugir. Olhares? Desviados. Os questionamentos dele, inevitáveis.

Aquele homem era dela, de mais ninguém. Por anos, foi o melhor amigo. Agora, era o amor, a quem ela queria ao lado dela nas madrugadas de samba na Lapa. O sambista ficou para trás.

Mas, afinal, que prudência era essa que a deixava infeliz? Respeito? Talvez. No entanto, o desrespeito à situação dele talvez fosse mais prudente. Não sabia o que fazer.

Já não via com tanta graça outras pessoas. Já não ia à Lapa tão decotada. Medo de ter-se apaixonado sem poder, por alguém que sabia que carregaria por toda a vida. O samba já não tinha mais a mesma cadência, a orgia já não era mais seu bem sem ele.

A noite alta já não lhe era mais dia. Era ausência.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

O segredo dos seus olhos

É o que diz o título do filme: olhos, pelo menos um par deles, têm segredos. Os olhos humanos, em geral, muito pelo contrário, são convictos reveladores. Revelam uma mentira que está sendo dita, revelam medos, alegrias... segredos.

Já dizia o mestre da sabedoria humana que o ser humano faz dos olhos espécies de espelhos virados para dentro, "com o resultado de mostrarem, muitas vezes sem reserva, o que estávamos tratando de negar com a boca".

Olhos que se recolhem, "gestual" que os tímidos fazem uso costumeiramente, também costumam revelar algo. Assim como olhares desviados, tolhidos pela falta de intimidade entre os que se olham, ou por alguma dessas conveniências que nos tolhem rotineiramente.

O olhar, se vulgarmente assim podemos defini-lo, é a ferramenta mais poderosa do ser humano. É através dele que se conhece de verdade uma pessoa, que se desnuda o mais coberto e mascarado dos seres. Os olhos são os mais fiéis retratos de quem é uma pessoa.

Costumo me dar muito bem com pessoas que trazem tudo de si nos olhos. E costumo me apaixonar facilmente por elas também, sejam homens ou mulheres. Dividir um olhar é como estar parado em algum lugar do tempo e do espaço, em uma cumplicidade que se dá quase que em outra dimensão.

Mas o lado mais curioso dessa troca de olhares é quando a cumplicidade acontece com quem você nunca trocou uma palavra, acabou de conhecer no banco, no ônibus, no elevador. A situação se apresenta e, de pronto, você sabe o que o outro, o desconhecido, pensou diante do ocorrido.

Com frequência, um olhar também é surpreendido. Esses são os de observação, que tomam tempo das retinas e provocam densa atividade cerebral. De repente, você é pego por um segundo observador, o que, por vezes, causa leve - ou intenso - constrangimento.

E há aquele momento do olhar em que dois corpos se atraem, como na física. Ou você desvia e finge que nada aconteceu, ou se entrega.

É instigante, é poderoso, é sensual.